SÉRIE DE FOTOS
Combustão Espontânea: uma homenagem ao apocalipse motorizado
(2020 - 2021 )
A série "Combustão Espontânea: uma homenagem ao apocalipse motorizado", retrata símbolos da cultura do automóvel em estado quase irreconhecível. O objeto de desejo de gerações transformado pelas chamas. Imóvel e deformado. Só o que resta são os componentes metálicos, corroídos e enferrujados. Novas cores e texturas surgem, rastros da pintura de fogo. A combustão que girou as engrenagens por milhares de quilômetros, consumiu pneus, estofados, painéis, cabos, volante. As latarias e os chassis repletos de cinzas, lixo e folhas secas, indicam o tempo de abandono, o modelo e a montadora das carcaças. Cinzeiros gigantes. Permanecem por meses em ruas pouco movimentadas e distantes do centro ou por somente alguns minutos, quando o incêndio acontece em uma grande avenida.
As imagens apresentam recortes e detalhes de carros incendiados. A cor é o elemento estético que sintetiza o processo de consumo pelas chamas. Cada carro tem uma paleta de cores predominante que é resultado da corrosão pelo fogo somada à cor original e ao desgaste do tempo.
O sonho do progresso industrial como motor da liberdade individual transformou-se em um pesadelo ambiental generalizado. As imagens da série são vislumbres poéticos em meio ao apocalipse ambiental em curso.
"Combustão Espontânea" é uma homenagem ao livro "Apocalipse Motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído" organizado por Ned Ludd e publicado no começo dos anos 2000. O livro defende a tese de que o modelo de transportes baseado no automóvel e a infraestrutura urbana e industrial criada para sua execução e perpetuação, levaram à desumanização da vida nas cidades e ao limite ambiental do planeta. Em resposta aos fatos, os textos apontam e sugerem caminhos de retomada das ruas através do uso da bicicleta e a conscientização social sobre o direito à cidade e o uso dos espaços públicos.
Nesse contexto de ativismo anticarro, a série de fotografias ilustra a vingança poética de se ver uma máquina criada para controlar a combustão, consumida por ela. O resultado deste processo de destruição e violência cria a possibilidade de se visualizar imagens muito distantes do imaginário de um carro. De forma a apresentar a beleza existente na transformação e no fim de um símbolo de desejo. O mundo pós carros pode ser muito mais belo e saudável. Ainda que tenhamos que lidar com os restos e ruínas de seu legado.
A "homenagem ao Apocalipse Motorizado" se propõe a aceitar que o fim está dado e está em curso. O que se tem pela frente é algo novo, que não foi planejado pelo ideário de civilização desenvolvida. Aceitar que o futuro é viver das ruínas do passado.